Cabeça a Prêmio

Ficha Técnica

Direção : Marco Ricca
Roteiro: Felipe Braga e Marco Ricca, com colaboração de Marçal Aquino
Elenco: Alice Braga, Daniel Hendler, Eduardo Moscovis, Cassio Gabus Mendes, Fulvio Stefanini, Otavio Muller, Via Negromonte, Cesar Troncoso, Ana Braga
Fotografia: José Roberto Eliezer
Direção de Arte: Luiz Roque
Montagem: Manga Campion
Edição de Som: Miriam Biderman
Mixagem: Jose Luiz Sasso
Musica: Eduardo Queiroz
Produção Executiva: Bianca Villar e Camila Groch
Produção: Marco Ricca (Ricca Produções) e Paulo Schmidt (Academia de Filmes)
Distribuidora: Europa Filmes
Duração: 104 minutos
País: Brasil
Ano: 2008
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM



A opinião

Quando um ator transpassa e barreira de atuar e resolve ingressar na arte da direção, é inevitável a comparação com os seus próprios elementos interpretativos. A estreia de Marco Ricca não poderia ser diferente. Ele considerado um ator passional e realista, realizando o trabalho também de produtor, com a produtora Ricca Produções, que não encena, mas vivencia o personagem.

Assim passa a quem está assistindo uma maior credibilidade e uma total entrega. O longa possui a inerência do diretor. Apresenta-se como alternativo, com sua fotografia granulada, com seu tempo de espera. Remete-se a Beto Brant (um homenageado nos créditos). A trama escolhe o sujo, o bruto, o real e o interno.

Baseado em livro de Marçal Aquino, Marco Ricca assina o roteiro com Felipe Braga e com a colaboração do próprio autor. Passado na fronteira entre Brasil, Paraguai e Bolívia, o longa tem Fulvio Stefanini e Otávio Muller como dois irmãos: Miro e Abílio. Prósperos pecuaristas do centro-oeste brasileiro também controlam uma pequena rede de negócios ilícitos.

Miro, que tem uma forte relação afetiva com a filha, Elaine (Alice Braga), decide, no entanto, mudar os rumos dos negócios e encontra forte oposição de seu irmão. Elaine, filha única, se envolve com o piloto da família. As histórias desses personagens se cruzam em meio à paisagem desoladora da fronteira. O atores uruguaios Daniel Hendler (dos longas argentinos “Leis de Família” e “Abraço Partido”) e Cesar Troncoso (de “O Banheiro do Papa” e “Em teu Nome”) completam o elenco.

A narrativa lenta apresenta, aos poucos, a história ao espectador. A fotografia inicial mostra o calor do asfalto do interior. Os diálogos iniciais são superficiais, que ficam entre o realismo e a encenação. Mas essa sensação só dura algum tempo. Logo entendemos o porquê. Há as formas de se contar a história, ora aberta, ora fechada. Os planos longos da camera, com cenas aéreas, retratam o ambiente que será apresentado. E quando a camera, quase colada ao personagem, acontece, interagimos e nos tornamos cúmplices observadores daquilo, entre cavalos e "mulheres ligeiras". "Estão fazendo de tudo pra encontrar algo podre", diz-se.

Há o lado mais sombrio do indivíduo. Possui-se a opção de esconder. Neste caso dilacera-se completamente, com a sutileza de dentro para fora. O amor comprado. "Por ‘cinquentinha’, diz que me ama devagarzinho", pede-se a uma prostituta. É um universo dos matadores. Uma atmosfera de espera. Eles esperam para realizar os serviços. Os espectadores esperam eles acabarem. Eles são brutos e sensíveis de atenção. É a solidão de se estar sozinho e de acreditar que se pode determinar quem morre ou não. Por dinheiro ou não. Há covardia e a há a necessidade.

A iluminação intensifica o estado instintivo. Sexo sujo, intenso, sem pudores, não para chocar, mas desejando a naturalidade. Uns utilizam a carência como força, outros se defendem com a própria permissão. Os enquadramentos inventivos e ágeis contribuem para a 'viagem' daquelas pessoas. A cena em que o foco de um matador é mostrado pela falta de foco de um jogo de futebol de crianças é fantástico e muito bem estruturado. "A gente é bom, só que tá do lado errado", diz-se com filosofia do cotidiano, com o existencialismo da definição banal. "Quem fode para procriar, fode melhor", ensina-se.

Os diálogos melhoram. "Virei piloto por assistir 'ET' e 'Top Gun'. E subi na vida comendo a filha do patrão". O filme tenta entender o que se passa na cabeça de um contratado para matar, como se comportam e como passam o tempo. São várias histórias contadas que se cruzam. Traça-se o perfil de cada um.

A trilha sonora aprofunda, mas não toma partida. Deixa acontecer. A personagem que interpreta a mulher de Miro fornece a catarse do querer da transformação. Ela dança bêbada, fumando na piscina e ouvindo tango. Ou o barulho (ruído) da cadeira em um silêncio tenso. "Bebe um pouco. O tempo passa mais rápido", diz-se.

Não se explica tudo. Mas é um filme sem brechas. Há um equilíbrio utilizando uma epifania silenciosa, como um parque de diversões funcionando, porém sem ninguém. A ação é mais importante que o tiro. Mesmo alguém que mata possui princípios. É uma dicotomia que o roteiro quer questionar sem escolher lados. Um filme decente, bem feito, competente e acima de tudo um excelente começo. Vale a pena ser visto. Recomendo.

O Diretor

Nascido em 1962, em São Paulo, se divide entre as funções de ator, produtor e diretor. Em mais de 20 anos de carreira, Ricca atuou em cerca de trinta peças de teatro e trinta filmes - entre eles estão ‘O Invasor’ e ‘Crime Delicado’ (ambos de Beto Brant), ‘O Maior Amor do Mundo’ (Cacá Diegues), ‘A Via Láctea’ (Lina Chamie), ‘O Que é Isso, Companheiro?’ e ‘O Casamento de Romeu e Julieta’ (ambos de Bruno Barreto), ‘Rua 6 sem Número’ (João Batista de Andrade) e ‘Verônica’ (Maurício Farias). Atuou também em cerca de quinze trabalhos para a televisão. Além disso, co-produziu quatro longas, foi roteirista de Crime Delicado e dirigiu inúmeras peças teatrais. Cabeça a Prêmio marca sua estréia na direção de longas-metragens.

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