Crítica: Tetro

Ficha Técnica

Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Francis Ford Coppola
Elenco: Vincent Gallo, Maribel Verdu, Alden Ehrenreich, Klaus Maria Brandauer, Carmen Maura
Fotografia: Mihai Malaimare Jr.
Música: Osvaldo Golijov
Fotografia: Mihai Malaimare Jr.
Direção De Arte: Federico G. Cambero
Figurino: Cecilia Monti
Edição: Walter Murch
Efeitos Especiais:universal Production Partners / Wanka Cine & Animacion
Produção: Francis Ford Coppola
Distribuidora: American Zoetrope / Imovision
Duração: 127 Minutos
País: Argentina, Itália, Espanha, Eua
Ano: 2009
COTAÇÃO: MUITO BOM




Apresentando a Sessão


Em uma noite chuvosa, com direito a trovoadas, o diretor Francis Ford Coppola, de “O poderoso chefão”, “Apocalypse now” e pai de Sophia Coppola – seguidora da mesma profissão, dirigindo “Um lugar qualquer”, chegou ao Espaço de Cinema do Rio de Janeiro a fim de apresentar seu mais recente filme “Tetro”. Coppola foi recebido por fãs cinéfilos que tentavam a todo custo um autógrafo e ou uma foto. O Vertentes do Cinema conseguiu a tão sonhada foto e trocou algumas palavras, já que a coletiva de imprensa (que as perguntas são respondidas) aconteceu em São Paulo. O diretor transpassa uma certa aura altiva, rabugenta, decidida e amorosa com a esposa. “Família está acima de tudo”, disse. Ele veio ao Brasil para dar uma palestra a alunos de cinema da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), na cidade paulista. Sobre o filme em questão, Coppola agradeceu aos jovens que fizeram parte e explicou com um texto padrão. “É um filme menor, mais independente, diferente do que já fiz. Recolho memórias da minha família”. E complementa “Hoje, aos 71 anos, eu posso fazer filmes como se ainda tivesse 21. Posso fazer o que quiser com um orçamento pequeno, sem me preocupar em perder dinheiro”, explicando como se fazer cinema sem o apoio de um grande estúdio.


A opinião


“Odeio o gentil (bacana), principalmente a palavra”, diz-se, em uma das primeiras falas, ambientando e direcionando o espectador ao que “Tetro”, que abriu Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes em 2009, se propõe a abordar. O roteiro, autoral – desde “A Conversação”, é eclético por misturar gêneros narrativos e cinematográficos. A miscelânea pode ser observada pela forma com que se trabalham cargas emocionais, podendo ser incluída a parte técnica. Com a fotografia, o longa conserva a elegância por utilizar um exuberante preto-e-branco texturizado, usando e abusando de luz e sombras. “O preto e branco é lindo. Não se trata apenas da falta de cor. É uma maneira metafórica de expressar as cores. Sugere uma ideia de realidade”, diz o diretor Francis Ford Coppola, que já utilizou o recurso em um de seus filmes anteriores “O Selvagem da Motocicleta”. No longa de 1983, o diretor intercala o preto-e-branco com cenas coloridas, assim como faz com o longa em questão. Neste, o colorido representa o passado ( e ou a história de um livro que está sendo escrito e ou loucuras inventadas) que não se quer reviver. A textura muda e assemelha-se a imagens de uma camera VHS estilizada ou Super 8 degastada. O preto-e-branco, neste caso, retrata a realidade, o momento atual, um realismo poético. “Só pode haver um gênio na família” diz o pai autoritário (referência a “O Poderoso Chefão”").


Quanto à narrativa, o roteiro – autobiográfico - objetiva, propositalmente, o melodrama. A camera aproxima um rosto enquanto uma lágrima cai ao ler uma carta ou quando deixa os seus personagens extrapolarem o limite do enquadramento. O estilo pode ser facilmente identificado como uma homenagem ao diretor espanhol Pedro Almodóvar. Nas cenas, a música, com seu tango clássico – por causa da filmagem acontecer em Buenos Aires, tangencia ao sentimentalismo exacerbado, também proposital. São experimentações angulares, porém sem fazer perceber a presença da camera, como a cena do espelho utilizado para que possa ler o texto escrito ao contrário. A trama inicial é simples. O ingênuo Bennie (Alden Ehreinreich), de 17 anos, chega a Buenos Aires devido a um problema no navio onde trabalha. Ele aproveita o ocorrido para encontrar seu irmão mais velho, Angelo (Vincent Gallo), que resolveu tirar um ano sabático e nunca mais entrou em contato com a família. Bennie consegue encontra-lo, mas Angelo não é mais a mesma pessoa. Ele abandonou seu nome de batismo e agora atende apenas por Tetro, tendo se tornado uma pessoa de temperamento difícil e que esconde seu passado. Entretanto, o período em que Bennie vive com ele e sua namorada Miranda (Maribel Verdú) faz com que relembre experiências do passado. A sinopse acima fornece uma ideia do que será abordado. Aos poucos, explicações e reiterações juntam as peças no quebra-cabeça. Neste ponto, o roteiro busca elementos cinematográficos (a estranheza e histórias confusas – por incluir sonhos metafísicos) do diretor David Lynch.



Os personagens realizam outra homenagem: ao cinema italiano. Gritos de uma janela em cima de uma bar com uma esposa passional que joga roupas do marido; o braço musculoso com seios definidos de uma atendente espanhola. Mostram-se tipos cotidianos. “Você é você, eu sou eu”, diz-se. Os diálogos recorrem a picardias, galhardias, ironias e deboches, meio sensíveis, meio perspicazes, seguindo com humor natural. “Fausto, drama em verso, o que poderia ser pior”, diz-se. Em determinado momento, a metalinguagem interage com o espectador, o colocando como personagem, que assiste uma cena de teatro. Tetro escrevera uma história “verso livre” em um manicômio sobre rivalidades de irmãos (aludindo a “O Selvagem da Motocicleta”). Ele separa-se de sua família por um acontecimento trágico do passado. A atmosfera explica-se por tais digressões – em flashbacks (coloridos). Os pais, um maestro e uma cantora soprano. Percebe-se que o se deseja ambientar é o universo de uma ópera (Rigoletto, de Verdi), com todo o excesso dramático e trágico. “Eu me separei da minha família. Amor na nossa família é uma punhalada no coração”, confessa-se. A manipulação é recorrente. Não se sabe se é verdade ou mentira. Há críticas a criticas. A personagem “Alone” (sozinha) critica a peça. “Ser jovem é nua. A juventude é nua”, diz-se. Outra referência acontece. Tetroccini, Carlos, 1901 (ficcional). A nova etapa (o final) acontece na Patagônica em um road-movie. A narrativa, neste momento, reinventa-se. Diversas televisões mostrando um universo badalado de um Festival de Teatro. As cameras filmam os acontecimentos por janelas dos videos, comportando-se como existencialista, poética e estilosa, em uma montagem ágil e videoclipesca. As reviravoltas deixam até as novelas mexicanas mais sensacionalistas no chinelo. Tudo propositalmente, claro. É impossível não lembrar de “Guerra nas estrelas” e a famosa cena do pai de Luke. Há o limite bamba entre o realismo e a encenação. O final é a epifania totalmente desconstruída: a vida como um teatro; a maquiagem mal feita do Tio Alfie; a saída de efeito do personagem. "Tetro" foi realizado durante as filmagens do seu filme anterior “Velha Juventude”, de 2007. Vale muito a pena assistir. Recomendo.